Calciopédia Perfil #3

Yuri Said Cardoso
9 min readApr 15, 2023

Roberto Sosa, o último camisa 10 do Napoli

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Com momentos marcantes na Udinese e no Napoli, Roberto Sosa conheceu quase todas as facetas do futebol italiano. Dos gloriosos anos 1990 da Serie A às divisões inferiores da Velha Bota, o grandalhão foi um dos tantos argentinos que jogaram no país, mas pode se vangloriar de dois fatos: se tornou ídolo no mesmo clube em que Diego Armando Maradona se tornou o maior e, de quebra, ainda foi o último dono da camisa 10 eternizada pelo craque.

Roberto Carlos Sosa nasceu em 27 de janeiro de 1975, em Santa Rosa, no pampa argentino — fato que lhe rendeu o apelido El Pampa, que lhe acompanhou por toda a carreira como jogador. Aos 15 anos, o atacante ingressou nas categorias de base do Gimnasia La Plata, clube pelo qual estreou em 1995. Com bons números pelos triperos desde cedo, o grandalhão de cerca de 1,90m foi artilheiro do torneio Clausura, em 1998, e ajudou o time a ser terceiro colocado.

A artilharia em solo argentino rendeu o carimbo no passaporte de El Pampa, que rumou à Itália em 1998. Sosa foi comprado por 5,8 milhões de dólares no verão europeu, e chegou à Udinese com 23 anos. O goleador chegava ao time de Francesco Guidolin para substituir Oliver Bierhoff, fazer dupla com Amoroso e completar um elenco que ainda contava com o polivalente Martin Jorgensen, o xerife Valerio Bertotto, o dinâmico Paolo Poggi e o capitão Alessandro Calori.

De cara, já teve sucesso em sua primeira temporada, sendo titular na maior parte das vezes e atuando em 36 partidas. Vestindo a camisa 9, Sosa fez 14 gols, sendo 11 pela Serie A — competição em que a Udinese abocanhou a sexta colocação e, pelo terceiro ano seguido, uma vaga na Copa Uefa. Em sua segunda campanha pela equipe friulana, o argentino teve a companhia de Roberto Muzzi, substituto de Amoroso, e disputou 37 jogos. No entanto, os bianconeri não repetiram o mesmo desempenho de outrora. El Pampa guardou apenas nove vezes, e teve seu escore inflado por uma tripletta num 3 a 0 sobre a poderosíssima Inter de Roberto Baggio, Clarence Seedorf, Álvaro Recoba e Iván Zamorano.

Em 2000–01, Sosa viveu sua temporada mais prolífica na Velha Bota, com 21 gols marcados em 44 jogos. O ano positivo começou com atuações consistentes na Copa Intertoto, vencida pela Udinese no verão europeu: El Pampa guardou dois tentos nas quartas de final, contra o Aab Aalborg, nas semis, sobre o Austria Vienna, e nas partidas da decisão, ante o Sigma Olomuc, sendo o principal destaque da classificação dos friulanos para a Copa Uefa. O argentino ainda ajudou os bianconeri a serem semifinalistas da Coppa Italia e a ficarem no meio da tabela da Serie A. No certame de pontos corridos, o centroavante foi o artilheiro da equipe, com 15 bolas nas redes, e teve como grande momento uma doppietta anotada numa vitória por 2 a 1 sobre a Juventus, em pleno Delle Alpi.

No entanto, logo após o grande ano, El Pampa viu sua forma entrar em declínio juntamente com a da equipe, que foi treinada por Roy Hodgson e Gian Piero Ventura, e brigou para não ser rebaixada. Sosa foi vítima de lesões e, em consonância com as chegadas de Vincenzo Iaquinta e David Di Michele, foi perdendo espaço. Em 2001–02, o centroavante só conseguiu jogar 20 partidas e balançar as redes somente em duas ocasiões, na reta final da temporada: sua doppietta na vitória por 3 a 2 no confronto direto contra o Brescia ajudou os friulanos a se manterem na elite, o que foi confirmado apenas na derradeira rodada.

Sosa chegou ao futebol italiano através da Udinese, equipe em que teve grandes momentos (imago/Buzzi)

As lesões e a ascensão de concorrentes significaria o fim de ciclo de Sosa em Údine, após quatro temporadas, nas quais marcou 46 gols em 135 partidas. O argentino arrumou as malas e voltou a terra natal por empréstimo: primeiro para o Boca Juniors e, depois, para o Gimnasia La Plata. No entanto, El Pampa fracassou nessas passagens e pouco entrou em campo.

Em 2003, então, aos 28 anos, o centroavante deu início a sua trajetória pelas divisões inferiores do futebol italiano. O grandalhão cumpria seus últimos meses de contrato com a Udinese quando foi novamente emprestado, em julho de 2003, para o Ascoli. Sosa atuou no time marquesão por metade da temporada, marcando quatro gols, e passou a parte restante da campanha no Messina. Na Sicília, atuou em dupla com Arturo Di Napoli, balançou as redes em cinco ocasiões e ajudou a colocar os biancoscudati na elite pela segunda vez na história.

Apesar de ter participado de um momento marcante da história do Messina, Sosa não continuou no clube para disputar a Serie A. Pelo contrário: por uma decisão estritamente pessoal, foi jogar a terceira divisão italiana.

Roberto optou por representar o Napoli, que fora relegado à terceira divisão por problemas financeiros, que levaram a sua falência. Sosa foi o primeiro jogador que Pierpaolo Marino, diretor esportivo do clube, procurou para a reconstrução dos partenopei — o cartola, então a serviço de Aurelio De Laurentiis, já havia sido o responsável por levar o argentino para a Udinese. Inicialmente, El Pampa resistiu à ideia. Mas acabou convencido por uma promessa feita pelo dirigente, que tocou seu coração.

“Ele me disse que eu voltaria a Serie A com o Napoli e viraria um rei em Nápoles”, contou ao jornal Il Mattino. Para Sosa, seria a chance de ser adorado pela torcida do mesmo time em que Maradona, seu ídolo de infância marcara época. “Quando assinei com o clube, assinei também com a cidade, porque quem veste a camisa [azzurra] acaba defendendo a própria cidade”, declarou, anos depois, numa entrevista ao canal Jaque y Mate.

Com a promessa de se tornar “rei” de Nápoles, o argentino aceitou jogar pelos azzurri (imago/IPA Photo)

O primeiro ano do argentino na Campânia acabou terminando de forma decepcionante, já que, mesmo com seus 10 gols, o Napoli perdeu para o Avellino na final dos playoffs de acesso à Serie B e foi condenado a permanecer na terceirona. Em 2005–06, porém, Sosa anotou seis vezes e os partenopei, campeões da categoria, puderam sorrir novamente.

Nas campanhas na Serie C1, a camisa 10 eternizada por Maradona voltou a ser utilizada pelo Napoli. O número havia sido aposentado pelo clube em 2000, mas teve de ser usado na terceira divisão, já que o regulamento previa que os jogadores titulares das equipes deveriam ser escalados, obrigatoriamente, numa sequência de 1 a 11. Durante o certame de 2005–06, o brasileiro Inácio Piá e o uruguaio Mariano Bogliacino foram os atletas que mais trajaram a mítica malha, mas o argentino Sosa, que habitualmente portava a 9 ou a 18, já que foi reserva por um tempo, pediu para envergá-la no último jogo dos azzurri no San Paolo pela categoria. Pedido aceito por Marino e pelo técnico Edoardo Reja.

“Comecei a me emocionar quando entrei no vestiário e vi a camisa 10 ali, arrumada para mim, no meu armário”, contou ao jornal La Repubblica. Já promovido, o Napoli recebeu o Frosinone num San Paolo praticamente lotado e empatou por 1 a 1. Quis o destino que Sosa, ostentando mullets, como seu ídolo em vários momentos da carreira, marcasse um gol por cobertura, ao melhor estilo Maradona.

Na comemoração, o centroavante exibiu uma camiseta com uma foto do craque e a frase “quem ama não esquece, glória a quem escreveu a história do Napoli”. Além disso, chorou como um bebê, até mesmo depois que a bola voltou a rolar. “Eu nunca tinha chorado em campo. Mas valeu a pena, porque foi a última vez que esse número foi usado, o que significa muito para os napolitanos e nós, argentinos. Foi uma pequena homenagem para quem tornou grande a história do futebol em Nápoles e na Argentina”, declarou à Rai, logo após o jogo.

Na verdade, Bogliacino acabaria sendo o último a vestir a 10 de Maradona, em partidas sem apelo pela própria terceirona e pela Supercopa da Serie C, que o Napoli perdeu para o Spezia. Mas quase ninguém lembra disso e Sosa é que acabou ficando com os louros. Não queria guardar, porém, com a camisa. Inicialmente, El Pampa disse que a daria ao Pibe de Oro, a quem pertencia, mas mudou de ideia e a trancou a sete chaves num cofre.

Da terceira à primeira divisão: Sosa virou ídolo do Napoli (New Press/Getty)

Sosa permaneceu no Napoli e continuou na reserva até o fim de sua passagem pelo clube. Em 2006–07, o time de Reja conseguiu o retorno imediato à Serie A, contando com mais seis gols do argentino — dois deles, ante Piacenza e AlbinoLeffe, decisivos para a promoção. Já consagrado como ídolo azzurro, El Pampa disputou a primeira categoria em 2007–08 e reestreou com lei do ex, anotando um tento na goleada por 5 a 0 sobre a Udinese, no Friuli.

No total, Roberto realizou somente oito partidas como titular, em geral ao lado do compatriota Ezequiel Lavezzi, mas foi utilizado com frequência — em 34 das 38 rodadas, mais exatamente. Sosa balançou as redes em San Siro contra Inter e Milan, concluiu a sua campanha com seis gols marcados, usou a braçadeira de capitão, levou o Napoli à Copa Intertoto e ainda foi ovacionado em sua despedida no San Paolo. A decisão de deixar o clube aconteceu no decorrer da temporada e teve um motivo explícito: aos 33 anos, seu desejo era voltar à Argentina. Definido por Reja como “um líder silencioso”, El Pampa anotou 30 tentos em 131 aparições pelos partenopei.

Em 2008, Sosa acertou seu retorno ao Gimnasia La Plata, que defendeu por dois anos, mas sem o brilho de outrora. No fim de sua passagem pelo Lobo, o atacante decidiu se aventurar mais uma vez nas divisões inferiores da Itália, firmando sua transferência para a Sanremese, da quarta categoria. Em dezembro de 2010, após jogar somente 12 partidas pela equipe lígure, rumou ao Rapperswil-Jona, da terceirona suíça, onde encerrou a carreira, aos 36.

Após pendurar as chuteiras, El Pampa voltou para a Itália, país que adotou — dois de seus três filhos nasceram em Údine, e mais uma em Nápoles, cidade que considera sua casa. O ex-atacante atuou como comentarista da Sky Sports e começou sua carreira de treinador em 2014, mas não obteve sucesso por Sorrento, Savoia e Vultur Rionero nas divisões inferiores. Pelo último, chegou a ser rebaixado para a sexta categoria. Sosa ainda treinou os pequenos Cañuelas, da Argentina, e Ciclón, da Bolívia, antes de acertar com o Dibba Al-Hisn, dos Emirados Árabes Unidos. Luciano Spalletti, que foi seu comandante na Udinese, é uma de suas grandes inspirações.

Enquanto sonha em ser técnico do Napoli, Sosa torce pelo sucesso do filho Tomás, atacante revelado pelo Defensa y Justicia e, hoje, no Vis Pesaro, da terceirona italiana. Além disso, continua a guardar com carinho aquela camisa 10. Uma peça que, em 2019, ganhou a assinatura do próprio Maradona: Roberto foi visitá-lo no centro de treinamentos do Gimnasia La Plata e o craque, que comandava os triperos, autografou a malha com as cores do clube em que o próprio centroavante dera seus primeiros passos.

Sosa chegou a receber uma oferta de 10 mil euros pela relíquia, mas recusou de imediato. A camisa é o seu maior tesouro e ele deixou isso claro em entrevista ao jornal Clarín, da Argentina. “Quando eu tinha 11 anos, assisti a Copa do Mundo de 1986 na casa dos meus avós, em Santa Rosa. Eles me disseram que me dariam a 10 do Napoli, a de Maradona, autografada por ele, e eu não pude acreditar. Bem, eu usei a última 10 do Napoli no San Paolo e a tenho autografada pelo próprio Diego. O que mais eu poderia querer?”, contou. De fato, não resta mais nada.

Roberto Carlos Sosa
Nascimento: 24 de janeiro de 1975, em Santa Rosa, Argentina
Posição: atacante
Clubes como jogador: Gimnasia La Plata (1995–98, 2003 e 2008–10), Udinese (1998–2002), Boca Juniors (2002), Ascoli (2003–04), Messina (2004), Napoli (2004–08), Sanremese (2010) e Rapperswil-Jona (2011)
Títulos como jogador: Copa Intertoto (2000) e Serie C1 (2006)
Carreira como treinador: Sorrento (2014–15), Savoia (2015–16), Vultur Rionero (2016–17), Cañuelas (2018–19), Ciclón (2020) e Dibba Al-Hisn (2021-hoje)

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Yuri Said Cardoso

Jornalista. Fã de Esportes, Filmes, Séries, Música e Cultura Popular. Autor em: @osmagpies (Twitter e Instagram) e Calciopedia.